‘Saqueadores modernos’: Planos do Corredor do Lobito geram medo e hesitação na RDC

O projeto apoiado pelos EUA será um centro de comércio regional ou um novo portal para saquear os recursos naturais da República Democrática do Congo (RDC)?

Do Porto do Lobito, na costa atlântica de Angola, estende-se um trecho de 1.300 km de ferrovia que passa pela vizinha Zâmbia e pela rica em recursos República Democrática do Congo (RDC).

Na RDC, o Corredor do Lobito liga as províncias mineiras de Tanganyika, Haut-Lomami, Lualaba e Haut-Katanga – lar de alguns dos maiores depósitos mundiais de minerais críticos, como cobalto e cobre, atraindo atenção internacional nos últimos anos.

No início de dezembro, durante uma visita a Angola, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, realizou conversas com líderes africanos sobre o projeto de infraestrutura do Lobito – um acordo multinacional que visa desenvolver a conectividade entre os oceanos Atlântico e Índico e proporcionar acesso mais rápido aos minerais africanos para os mercados dos EUA e Europa.

Mas em cidades congolesas ao longo das regiões conectadas ao projeto ferroviário, há sentimentos mistos e medos latentes.

A RDC possui as maiores reservas de cobalto do mundo e as sétimas maiores de cobre. Enquanto alguns congoleses acreditam que o projeto Lobito será um centro comercial benéfico entre os países africanos, outros temem que seja apenas um meio para facilitar o saque contínuo dos recursos naturais da região.

Claude Banza, morador de Kolwezi, na província de Lualaba – um dos principais pontos ao longo da rota do Corredor, que abriga vastas minas conhecidas por abusos de direitos humanos – expressou esperança: “Levamos uma vida miserável, não temos empregos. Este projeto Lobito é uma tábua de salvação para nós.” Ele espera que os desenvolvimentos de infraestrutura tragam mais oportunidades e esperança para as comunidades locais.

O presidente da RDC, Felix Tshisekedi, afirmou que o projeto criará cerca de 30.000 empregos diretos e indiretos e ajudará a reduzir a pobreza. Ele destacou o Corredor como uma “oportunidade única para a integração regional, transformação econômica e melhoria das condições de vida dos cidadãos”.

‘É neocolonialista’

No entanto, analistas e residentes locais criticam o projeto. Dady Saleh, economista congolês, lamenta que os países envolvidos no projeto beneficiarão apenas de “migalhas”, descrevendo-o como uma “venda organizada dos recursos naturais da região em um sistema capitalista”.

Souverain Kabika, trabalhador no setor de transporte de cobre em Haut-Katanga, teme que o tráfego rodoviário diminua drasticamente, comprometendo sua fonte de sustento.

Grupos da sociedade civil em Lualaba também se opõem, exigindo que as comunidades locais estejam no centro do projeto. Lambert Menda, coordenador provincial da Nova Sociedade Civil do Congo, enfatiza: “Queremos riqueza em nossas comunidades. Não queremos mais exportar minerais, porque o importador sempre lucrará mais do que nós.”

Um divisor de águas?

Analistas reconhecem que o Corredor do Lobito pode reduzir custos de transporte, mas alertam para os impactos econômicos, sociais e ambientais. A ONU destacou desafios futuros, incluindo conflitos por terras e impactos nos direitos humanos.

Apesar das críticas, Tshisekedi vê o Corredor como uma oportunidade estratégica para aumentar o valor dos recursos naturais da RDC, essenciais para a transição energética global.

Ainda assim, Saleh argumenta que os contratos “leoninos” impostos pelos EUA e parceiros colocam em risco as esperanças dos congoleses, sugerindo um modelo “neo-mercantilista” para maximizar os benefícios locais. “Enquanto outros países transformam seus recursos internamente, nós ainda dependemos de exportações em estado bruto, o que é lamentável.”

Além disso, Saleh teme os riscos de segurança, afirmando que o controle do sul da RDC pode ficar nas mãos de Angola e dos EUA. “Os americanos não nos deram presentes; eles farão de tudo para controlar nossos minerais, enquanto a RDC arrisca sua segurança.”

Para muitos, o Corredor do Lobito simboliza esperança, mas também o perigo de repetir erros históricos de exploração e negligência das comunidades locais.

Aljazeera

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