O empresário Carlos de São Vicente tentou arrolar o antigo presidente do Conselho de Administração da Sonangol, Manuel Domingos Vicente, no processo em que foi condenado por diversos crimes, num recurso interposto no Tribunal Supremo.
No recurso, que foi indeferido por uma equipa de juízes da 2ª Secção da Câmara Criminal deste tribunal, o empresário tenta envolver também outros antigos gestores da petrolífera que asseveraram que o projecto AAA foi criado e realizado com fundos inteiramente públicos. Estas posições foram sustenta- das, em diferentes ocasiões, com documentos anexados ao processo nº 6182/22, em posse do tribunal, de acordo com o acórdão, datado de 19 de Setembro do ano transacto, a que o jornal OPAÍS teve acesso.
Para sustentar a sua acusação, São Vicente recorreu ao acórdão do tribunal de primeira instância que deu como provado “que o arguido [ele próprio]na sua actividade criminosa terá agido em conluio com outros indivíduos”, inclusive o ex-PCA da Sonangol. De modo a convencer a equipa de juízes, constituída por Norberto Sodré João, José Martinho Nunes e Aurélio Simba, São Vicente salientou que, quando chega à subsunção jurídica dos factos ao direito, o acórdão recorrido (do Tribunal da Relação de Luanda) é omisso em pronunciar-se se é condenado como autor material ou como co- autor material dos alegados crimes de peculato, de fraude fiscal e de branqueamento de capitais.
No seu ponto de vista, a omissão do tribunal foi propositada, pois, se o identificasse como co-autor material, teria que identificar “quem foram, em concreto, os seus com- participantes da actividade criminosa”, o que implica, necessariamente, apurar e aferir a sua culpa nos factos que alegadamente terá praticado. Por ter ficado provado que come- teu tais crimes, o Tribunal da Relação de Luanda condenou-o, a 25 de Junho de 2022, na pena única de 10 anos de prisão e ao pagamento de 4 mil milhões e 500 milhões de dó- lares a título de indemnização ao Estado. Além disso, declarou perdidos a favor do Estado angolano todos os bens apreendidos no âmbito deste processo judicial.
A equipa de juízes da Câmara Criminal decidiu que São Vicente deverá cumprir a pena ora esta- belecida por não restarem quais- quer dúvidas de que cometeu tais crimes. Um dos factos que levou o Tribunal Supremo a manter essa decisão teve como base os depoimentos de todos os declarantes ouvidos, entre os quais responsáveis das áreas financeira e jurídica, bem como administradores do Conselho de Administração da petrolífera, que afirmaram desconhecer o processo de alienação da participação social desta no grupo AAA para outras entidades.
“Facto que à luz da experiência comum, no âmbito do princípio da livre apreciação da prova, não deixa de sedimentar a convicção de tratar-se de um expediente que contou com o beneplácito do então PCA da Sonangol, o declarante Manuel Domingos Vicente”, lê- se no acórdão.
Vínculo das AAA com a petrolífera
Por outro lado, o tribunal considera também não existirem dúvidas de que São Vicente foi quadro sénior da petrolífera nacional. Para o efeito, salienta que os juízes, ao fazerem uma leitura atenta dos autos, constataram que havia ascendido ao top da carreira, tendo chegado ao cargo de director da Direcção de Gestão de Risco da empresa, função a que foi nomeado pelo então PCA, Manuel Vicente, a 03 de Abril de 2000.
Esclarece ainda que entre os documentos juntos aos autos, há um requerimento que o próprio São Vicente dirigiu ao Ministério das Finanças, a 18 de Dezembro de 2000, no qual apresenta-se como responsável da empresa Mirabilis Reinsurence Limited, e solicita licença para o exercício da actividade de resseguro.
De acordo com o tribunal, São Vicente informou ainda, no referido documento, que “este é o novo nome da Mirabilis Insurence Limited, que foi criada no âmbito da estratégia de gestão de riscos da Sonangol, EP, com fundos inteiramente desta e que seriam capitalizados no prazo de cinco (5) anos”. Esta empresa é que mais tarde veio a ser transformada em AAA.
Além das provas documentais, os juízes levaram em consideração os depoimentos prestados em tribunal pelas testemunhas Paulo Jorge Martins Ferreira Marques que, ao tempo da criação do projecto AAA seguros, trabalhou com São Vicente na Direcção de Gestão de Riscos da Sonangol, bem como Walter Costa Manuel do Nascimento, Rosário Simão Jacinto, Sebastião Pai Querido Gaspar Martins e Francisco de Lemos José Maria. Todos, de forma concordante, garantiram que o projecto AAA foi criado e realizado com fundos inteiramente públicos.
“O que é certo, e cuja prova abunda nos autos (depoimento de testemunhas, documentos diversos), é que a AAA SEGUROS SA tratava-se de uma empresa pública, gerada por iniciativa pública num mercado absolutamente rentável, que é o sector petrolífero. Isto decorre, além do mais, da experiência comum”, lê-se no acórdão a que OPAÍS teve acesso.
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