Os mais de cinco mil recrutas do curso de ingresso no Serviço de Migração e Estrangeiros (SME), recentemente cancelado pelo novo ministro do Interior, Manuel Gomes da Conceição Homem, manifestaram preocupações sobre as condições e o tratamento durante o processo de recadastramento, que começou recentemente. Os candidatos alegam que agentes do Serviço de Inteligência e Segurança do Estado (SINSE), responsáveis pelo recadastramento, têm adotado comportamentos que consideram “arrogantes” e têm praticado “maus tratos” durante as audições realizadas nas escolas do SME, em Luanda.
De acordo com uma exposição enviada ao Club-K, e dirigida ao Presidente da República, João Lourenço, com cópia para o ministro do Interior e o diretor-geral do SME, os recrutas relatam que os agentes do SINSE teriam feito uma série de perguntas direcionadas a investigar possíveis relações familiares ou políticas dos candidatos. Perguntas como “Quem te meteu aqui?”, “Qual é o seu grau de parentesco com tal pessoa?”, “Você conhece a Sra. Teodorca, Sr. Ex. Ministro Laborinho, Sr. Froz, Sr. José Alberto e o ex-Director do SME?” foram apontadas como parte do processo.
As reclamações destacam que essas perguntas pareceriam ter o objetivo de identificar vínculos com figuras influentes do governo e da política angolana, levantando suspeitas de favorecimento. Os recrutas afirmam que as indagações tinham um tom de suspeita e procuravam criar um ambiente de desconfiança em relação a essas figuras, como políticos, oficiais de alta patente, membros da Assembleia Nacional e outras autoridades, cujos familiares estariam participando do curso. Alguns relatos sugerem que o tratamento diferenciado seria dado a candidatos identificados como aliados de figuras do partido no poder.
A exposição também aponta que a maneira como o processo de recrutamento foi conduzido sugere a existência de práticas de nepotismo e favoritismo, uma vez que não houve concurso público para ingresso, e que a seleção no Ministério do Interior (MININT) foi, de maneira geral, “selectiva”. Candidatos se queixaram de não entender a inclusão de familiares de algumas das figuras citadas, incluindo o atual ministro do Interior e o diretor do SME.
Além disso, informações obtidas pelo Club-K indicam que alguns recrutas relataram ter sido abordados de forma mais favorável por agentes do SINSE quando mencionaram o seu vínculo com figuras de destaque no MPLA, o que gerou desconforto entre outros candidatos, que consideram esse tratamento uma forma de discriminação.
A carta enviada pelos recrutas também menciona que as questões levantadas pelo SINSE estão a ser vistas como uma forma de perseguição política dentro do próprio partido, entre figuras que ocupam posições de destaque no governo. Entre os alvos mencionados estão os nomes de Eugénio Laborinho, João da Costa, Teodorca, Froz Adão e José Alberto Manuel, todos figuras de relevância no regime e no partido.
O curso, que começou em 30 de abril de 2024, foi inicialmente inaugurado pelo Comissário de Migração João Fortunato Machado, diretor-geral-adjunto do SME, em representação do diretor-geral João António da Costa. O evento contou com a participação de mais de cinco mil recrutas, incluindo um número considerável de mulheres e homens, e foi realizado no Autódromo de Luanda.
No entanto, os recrutas também expressaram frustração com as condições de treinamento, que consideram precárias, e com a falta de infraestrutura adequada para as aulas teóricas e provas. Eles destacam que as avaliações, incluindo o processo de recadastramento, foram realizadas em condições adversas, como em posições desconfortáveis, o que, segundo eles, comprometeu a qualidade das avaliações.
Outro ponto de discórdia entre os recrutas é a alegação de que o curso inclui instruendos estrangeiros, o que gerou controvérsia, com alguns candidatos sugerindo que essa inclusão possa ser uma estratégia da atual direção para enfraquecer a imagem da gestão anterior do SME e fomentar um clima de hostilidade.
Club-k.net