Pela primeira vez o país entra em crise sem ser por causa do preço do barril de petróleo

Afundanço nas exportações entre Janeiro e Junho provocaram um problema de tesouraria numa altura em que o Governo teve de abrir os cordões à bolsa para pagar dívida externa. É a primeira vez que o País entra em crise sem ser por causa do preço do barril de petróleo, que está a ser vendido acima do que está previsto no OGE. Já se fala em recessão económica.

De acordo com cálculos do Expansão com base nos dados da AGT, nos primeiros seis meses de 2022 Angola exportou um total de 2.011 milhões USD em gás natural, enquanto no mesmo período deste ano apenas vendeu 783,9 milhões USD, o que representa uma queda de 61% nas receitas brutas com a exportação desta commodity.

Contribuiu para esta queda das receitas a diminuição do preço médio do barril, que chegou a ser vendido a mais de 160 USD no I semestre do ano passado e agora não ultrapassou os 100 USD, mas também a queda em 59% do volume de exportação. E há também o facto de a Índia, que ficou com 41% do gás natural angolano entre Janeiro e Junho do ano passado, em 2023 não ter realizado qualquer compra a Angola. E se as exportações caíram, o mesmo aconteceu com as importações, só que a uma taxa de queda inferior.

No I semestre do ano passado, Angola importou 8.012 milhões USD em mercadorias enquanto nos primeiros seis meses importou 7.471 milhões USD. Ao todo, são menos 541 milhões USD em mercadorias importadas no I semestre. Assim, contas feitas, o saldo da balança comercial encolheu 53% no I semestre, ao passar de 17.741 milhões USD para 8.405 milhões.

A queda nas exportações provocou uma diminuição forte nas receitas fiscais, sobretudo as do sector petrolífero, o que conjugado com a manutenção da pressão importadora empurrou o País para uma crise cambial e de tesouraria.

Outra das consequências destas crises foi a queda das Reservas Internacionais, que diminuíram 981 milhões USD entre o final do ano passado e o mês de Junho deste ano, ao passar de 14.661 milhões USD para 13.680 milhões, de acordo com as estatísticas monetárias e financeiras do BNA.

Ao que o Expansão apurou, na base desta descida está não só o facto de o banco central ter colocado divisas no mercado (432,3 milhões USD em Junho) para tentar travar a forte depreciação cambial verificada deste 11 de Maio (acabou por não travar), mas também o desequilíbrio nas contas externas.

A juntar a estes factores há um outro, já que segundo fontes do sector bancário o BNA também fez um “empréstimo intra-anual ao Estado” no I semestre, num montante que o Expansão não conseguiu apurar. Ainda assim, apesar de não ser muito comum nos últimos anos, a Lei do BNA permite, através do artigo 35.º, que o banco central conceda “ao Estado, anualmente, crédito sob a forma de conta corrente até ao limite equivalente a 10% das receitas ordinárias do Orçamento Geral do Estado arrecadadas no último ano”.

O valor do empréstimo e respectivos juros devem ser liquidados até 31 de Dezembro do ano a que respeite esse crédito e somente em cash. No passado, estas regras foram recorrentemente violadas por governos anteriores, sendo até alvo de reservas às contas do BNA por parte dos auditores externos, precisamente porque os Executivos pagavam esses empréstimos com recurso a títulos de dívida com maturidades longas, empurrando, assim, a liquidação dos financiamentos para fora do ano em que contraíram essa dívida.

Este empréstimo terá servido para atenuar as dificuldades de tesouraria do Governo, numa altura em que a Conta Única do Tesouro estava em mínimos históricos, e em que o País se encontrava já em plena crise cambial, que levou à depreciação do Kwanza em cerca de 40%, agravando os preços e as dificuldades das famílias.

Tudo isto numa altura em que o Executivo sabia que teria de retomar os pagamentos da dívida externa relativas às moratórias concedidas no período entre 2020 e 2022. Só para se ter uma ideia do peso da dívida, só no I trimestre o stock da dívida à China caiu 1.500 milhões USD.

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