O economista e docente da Universidade Católica de Angola (UCAN), Manuel Alves da Rocha, considerou, nesta sexta-feira, 15, ser indigno comemorar-se os anos de paz com tanta criança nas ruas a pedir um pão para comer e que todos os angolanos deveriam envergonhar-se pelo quadro societário no qual se encontra o país.
“Devemos ter vergonha do quadro societário desequilibrado existente, onde campeia a pobreza, a fome e a marginalização. É indigno comemorar-se os anos de paz com tanta criança nas ruas a pedir um pão para comer”, lamentou Alves da Rocha.
O também director do Centro de Estudos e Investigação Científica da UCAN falava durante a sua apresentação no 2.º Ciclo de Debates, promovido pelo Grupo de Reflexão, Aconselhamento e Debate (GRAD) do Laboratório de Ciências Sociais e Humanidades.
No encontro, que teve como o tema ‘O Dividendo da Paz em Angola: Os indicadores económicos, políticos e cívicos antes de 2002 e agora’, Alves da Rocha falou sobre ‘A Paz e Reconciliação Nacional’, considerando as desigualdades em Angola “aberrantes e indignas”, ante um quadro de precariedade como o que se viveu entre 2014 e 2021, quando o país perdeu 326 dólares por ano de rendimento médio por habitante.
Aludindo aos relatórios da missão do Fundo Monetário Internacional (FMI) e da fundamentação do Orçamento Geral do Estado (OGE), no período de oito anos, o economista destacou a perda de 315 dólares anuais por cada cidadão entre 2017 e 2021.
Segundo Alves da Rocha, os dados de base, retirados das referidas fontes, às quais se pode juntar as Contas Nacionais, apontam para uma “degradação crescente” das condições gerais de vida dos angolanos.
O país celebrou este ano, a 4 de Abril, 21 anos de paz e reconciliação nacional, após o fim do conflito armado em 2002. Entretanto, para o economista, a paz é um bem público, pertence ao povo, sendo que a melhor comemoração da paz seria a melhoria das suas condições de vida, facto porém, que “tem sido sistematicamente degradado desde há muitos anos”.
“Caviar e lagosta nas opíparas refeições oferecidas pela burguesia nacional contrastam com o funje de mistura sem conduto (só de água, sal e gindungo) em mais de 90% das famílias angolanas”, afirmou.
Alves da Rocha recorreu também ao texto apresentado no encontro pela coordenadora do GRAD, Cesaltina Abreu, que se referiu à ausência de guerra como “um ganho substancial, mas [que] o seu aproveitamento tem sido defeituoso e acintoso”, já que não resultou em “melhorias visíveis nas condições de vida da maioria da população”.
O professor contou também que o excelente crescimento do Produto Interno Bruto (PIB) entre 2003 e 2008 — cerca de 10,7% ao ano, podendo ser duplicado em menos de sete anos —, foi um dividendo material efectivo da paz, mas, por infelicidade, este ganho foi canalizado para o processo de acumulação primitiva de capital e de criação de uma burguesia nacional endinheirada”.
Esse, apontou, era o período propício para se ter operado uma alteração do modelo de distribuição do rendimento nacional a favor do combate contra a pobreza e que teria preparado o país para uma “maior resistência às intempéries das quedas do preço do petróleo”.
Alves da Rocha defendeu ainda que a reconciliação nacional “só será efectiva” com uma base económica segura (espalhar-se dentro de critérios de racionalidade, estruturas produtivas e económicas), crescimento sustentável e acesso a oportunidades de enriquecimento.
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