O responsável por este fiasco tem nome: José de Lima Massano, ministro de Estado da Coordenação Económica desde 8 de Junho de 2023, mas governador do BNA entre 2010 e 2023, com uma interrupção entre 2015 e 2017. Massano foi incapaz de debelar a inflação, sobretudo a partir de 2017. O seu único sucesso verificou-se por altura das eleições de 2022, quando manipulou a taxa de câmbio através da utilização das reservas líquidas internacionais (RIL). Essa manipulação valorizou momentaneamente o kwanza e fez baixar os preços no curto prazo. Sabe-se hoje que esse sucesso foi comprovadamente artificial. Não houve no BNA uma política monetária atenta ao controlo da inflação, mas uma mera gestão com objectivos pouco claros e não conseguidos.
A verdade é que a utilização de reservas líquidas internacionais do país foi feita sem nenhuma lógica assente em importações de bens e equipamentos que fomentassem a produção nacional, preponderando o uso de divisas para operações de invisíveis correntes (consultorias e fugas de capital).
Mesmo para aqueles que pensam que a inflação em Angola não é um fenómeno monetário – ou seja, que resulta de haver mais dinheiro do que produção – mas sim um fenómeno com causas estruturais ligadas à deficiente oferta de bens e serviços, continua a não se vislumbrar nenhuma política adequada.
Na realidade, ao nível da oferta de bens e serviços, o que se verifica em sectores-chave de Angola é a existência de quase-monopólios ou oligopólios, isto é, poucas empresas – sobretudo nos sectores da construção e da alimentação – a dominarem os mercados. Habitualmente, essas empresas, com ligações a políticos, têm o poder de estabelecer os preços longe da concorrência, acima do custo marginal. Apenas baixam preços, de forma rápida e para conveniência pontual do poder político, por exemplo, em períodos de maior convulsão política ou eleitoral, após o que voltam a estabelecer os preços que entendem, por vezes quatro a cinco vezes superiores aos praticados no mercado internacional.
Nesse caso, temos uma inflação artificialmente criada pela casta de empresários que dominam os mercados e se entrelaçam com o poder político. São esses empresários e os seus sustentáculos políticos que exportam, o máximo que podem, as divisas ganhas ou saqueadas em Angola para as suas vidas permanentes no exterior do país. Para tal grupo, a capital de Angola é Lisboa e a segunda cidade, o Dubai.
A conclusão é que a falta de combate real à inflação amputa completamente o clima de confiança. O custo da inflação enriquece os beneficiários económicos do poder na exacta medida em que empobrece cada vez mais e retira dignidade ao povo angolano.
Tal só se resolve com uma verdadeira transformação estrutural da economia, e não com as actuais medidas político-económicas desestruturadas, que servem apenas para proteger os grupos do poder que prejudicam a vida dos angolanos.
Será que este governo de João Lourenço, a três anos do seu potencialmente inglório final, tem a sensibilidade e a competência necessárias para liberalizar os mercados internos e promover a verdadeira concorrência?
Abrir e liberalizar a economia e aumentar a competitividade significaria reduzir a riqueza da casta político-económica que explora Angola.
Tudo isto resulta em que Lima Massano contribui muito mais para o derrube ou a derrota do governo de João Lourenço do que mil discursos da oposição ou iniciativas da sociedade civil empenhada. A subida permanente e constante dos preços e o desemprego ameaçam tornar-se a marca da gestão económica de João Lourenço. Embora se tenham iniciado de forma agressiva ainda durante o mandato de José Eduardo dos Santos, em 2016, o certo é que se tornaram uma constante desde então.
Inacção contra o desemprego
O desemprego é o maior flagelo para o povo angolano. Como antes referido, o INE anunciou recentemente que a taxa de desemprego aumentou 2,2 pontos percentuais, atingindo 31,9% no último trimestre de 2023. Além disso, 80,5% das pessoas empregadas trabalham no sector informal. Acresce ainda que a taxa de desemprego está perto dos 42% nas cidades e é de 11,4% nas áreas rurais.
Neste portal, temo-nos igualmente batido por uma inversão completa da actual ausência de política de emprego em Angola (ver aqui e aqui).
Um raio de esperança surgiu no mais recente discurso do presidente da República sobre o Estado da Nação, em que falou várias vezes (mais concretamente, 19 vezes) da questão do emprego, dando a entender que estava atento ao problema. O discurso foi proferido depois de, uns meses antes, se ter anunciado a criação de um Fundo Nacional de Emprego.
Vã esperança. O resultado, até ao momento, foi de agravamento da situação. O governo insiste que cabe ao sector privado criar emprego. O sector privado não tem capacidade de criar emprego suficiente. Primeiro, porque o maior cliente do empresariado nacional é o Estado. Assim, não havendo um sector privado sólido e independente dos interesses políticos, criou-se uma espécie de circuito fechado que asfixia a economia e coloca o interesse da casta acima do interesse nacional.
Segundo, são os factores burocráticos e estruturais da administração pública que inviabilizam a manutenção e a sustentabilidade de negócios fora da órbita do poder político e das políticas costumeiras, persistentes, de corrupção e tráfico de influência. O ambiente de negócios ainda é desmotivador. Com este cenário, não há como gerar empregos que respondam à grande pressão do aumento demográfico. Portanto, os resultados são aqueles que as estatísticas oficiais apresentam: desoladores.
Trata-se, neste caso também, de uma questão de coordenação económica, em que entra de novo Lima Massano.
A verdade é que não se pode esperar, face às taxas de crescimento previstas para a economia angolana nos próximos anos – cerca de 2% a 3%, segundo os prognósticos mais optimistas –, que haja um aumento significativo do emprego privado. Torna-se, portanto, necessária uma ampla reforma económica que simultaneamente aumente o produto angolano – isto é, a capacidade de produção interna – e gere postos de trabalho. E o Estado tem necessariamente de assumir um papel activo na criação de emprego em Angola. Não pode ser de outra forma.
Tudo reside na capacidade do governo de Lourenço para, nos anos que ainda lhe restam, realizar uma ampla reforma de economia angolana que permita, antes de mais, a liberdade económica do cidadão. Isso significa eliminar as teias de impedimento, de corrupção e de tráfico de influências que dominam a administração pública actual. Isso significa também que os governantes têm decidir se querem ser empresários, milionários, bilionários à custa do saque e do sofrimento do povo, ou se querem servir este mesmo povo, para que o futuro não lhes reserve o mesmo destino – ou pior – que tiveram José Eduardo dos Santos, a sua família e os seguidores mais próximos.
Só com estas condições de vontade política e sentido de missão para as gerações vindouras se poderá falar seriamente em aumento da produção, oferta interna livre de bens e serviços, redução do desemprego e estabilidade de preços.
O governo de João Lourenço não deve permitir que o Estado seja o principal agente e complicador económico. O Estado tem de ser uma força para o bem, contribuindo para reformar a economia em parceria com o sector privado, mas sem a intimidade putrefacta actual. Há que abraçar um liberalismo positivo moderno, com mercados livres e um Estado empenhado em assegurar o bem-estar social, criando uma ordem competitiva e socialmente justa.
Rui Verde, jurista