O major das Forças Armadas Angolanas, Pedro Lussati, condenado a 12 anos de prisão efectiva no âmbito do processo ‘Operação Caranguejo’, pode ser posto em liberdade ainda esta semana, após o Tribunal da Relação ter admitido e encaminhado para o Supremo o pedido de habeas corpus interposto pela defesa do arguido, por excesso de prisão preventiva.
Na semana passada, o Tribunal da Relação admitiu o recurso de habeas corpus que a defesa introduziu naquela instância judiciária a 4 de Agosto do corrente ano, tendo este subido ao Tribunal Supremo para decisão. Se Joel Leonardo — a quem caberá decidir o pedido de habeas corpus — cumprir o estabelecido por lei, Pedro Lussati deve ser posto imediatamente em liberdade, enquanto não forem esgotadas todas as possibilidades de recurso e o processo em si transitar em julgado.
A lei estabelece que todo o cidadão acusado da prática de um determinado crime goza do princípio da presunção de inocência, devendo este aguardar em liberdade o resultado dos recursos, quando são esgotados todos os prazos de prisão preventiva; que só é obrigatória nos crimes de genocídio, crimes contra a humanidade, crimes de organização terrorista, terrorismo e financiamento do terrorismo. Porém, ainda assim, o prazo máximo da prisão preventiva é de 24 meses.
A defesa do major das FAA, apontado como o cabecilha do famigerado ‘caso Operação Caranguejo’ — que envolve o desvio de elevadas somas monetárias da antiga Casa de Segurança do Presidente da República — alega que Pedro Lussati foi “sequestrado e mantido em cárcere privado desde 13 de Maio de 2021”. Porém, oficialmente, constam dos autos que o arguido foi detido preventivamente a 26 de Maio de 2021.
Facto é que, enquanto não se esgotarem os recursos, a Constituição da República de Angola estabelece que o cidadão deve ser considerado inocente, pelo que a condenação em primeira instância só se torna definitiva, isto é, só transita em julgado, após esgotados todos os recursos.
As decisões sobre os pedidos de habeas corpus são singulares, devem ser tomadas pelos juízes presidentes dos respectivos tribunais, ouvido o Ministério Público, no prazo de cinco dias úteis, contados da data da sua recepção na Secretaria do Tribunal.
Prisão preventiva
O prazo máximo de prisão preventiva estabelecido na lei determina que um cidadão pode ficar até 24 meses detido. Este prazo, entretanto, inclui todas as prorrogações possíveis. Deste modo, se se partir do princípio, tal como constam dos autos, que Pedro Lussati foi preso a 26 de Maio de 2021, a prisão preventiva do major das FAA expirou precisamente a 26 de Maio do corrente ano.
Curiosamente, quem fez os cálculos dos prazos à luz dos factos constantes nos autos foi o juiz desembargador e presidente do Tribunal da Relação de Luanda, que, no seu despacho datado de 26 de Abril de 2023, decretou o seguinte:
Compulsando os autos do processo e das confirmações solicitadas à Câmara Criminal desta instância à fls. 265.º e 272.º, verificou-se que nos termos do n.º 2 e 4 do art.º 283.º do CPP [Código do Processo Penal], por um lado, foi prorrogado o prazo de prisão preventiva em fase de suspensão para julgamento de uma questão prejudicial, pelo que o prazo passou a ser de 24 (Vinte e Quatro) meses. Porquanto, estando o Requerente detido desde o dia 26 de Maio de 2021, a sua prisão preventiva termina no dia 26 de Maio de 2023”, lê-se no referido despacho.
Extinção da prisão preventiva
A 4 de Junho de 2023, a defesa de Pedro Lussati deu entrada de uma ‘Providência Extraordinária de Habeas Corpus’ pela extinção da referida prisão preventiva. Para surpresa dos seus advogados, o mesmo juiz decidiu em sentido contrário e decretou a “manutenção da prisão preventiva” do major das FAA, justificado-se nos seguintes termos: “Sendo os prazos peremptórios, urge a necessidade de garantir a protecção de alguns perigos que possam advir de medidas não privativas da liberdade e, assim sendo, não poder ser eternizada, estando antes sujeitas a prazos muito curtos, regulado no art.º 283.º do CPP, e que não podem ser ultrapassados sob pena de ser prisão ilegal”.
E disse mais: “Assim sendo, não há dúvidas que no caso sub judice tal possa ocorrer, sendo um crime com grande repercussão na vida da comunidade. E não é de ignorar que grande parte da falência de alguns Estados, prende-se com este tipo de criminalidade (peculato, branqueamento de capitais e afins)”.
Defesa diz que juiz agiu como legislador
No recurso que ora Joel Leonardo tem em mãos, a defesa de Lussati acusa que, no referido despacho, “o juiz transforma-se em legislador, porquanto ao invés de aplicar estritamente as normas nos artigos 283.º e 284.º do CPP, passa a revogá-las, estabelecendo novos requisitos e condicionantes para se restituir à liberdade os arguidos com prisão preventiva expirada”.
“No número 1 do artigo 284.º do CPP, o legislador ordinário estabelece o seguinte: ‘Extinta a prisão preventiva ou esgotadas as razões que a fundamentaram, o arguido é imediatamente restituído à liberdade, a menos que deva continuar preventivamente preso por virtude de outro processo, à ordem do qual deve ser mantido….Ao passo que, através de seu Despacho, o Digníssimo magistrado judicial Presidente do Tribunal da Relação de Luanda, vem revogar aquela norma e vem estabelecer uma nova condicionante para cumprir a lei, a saber, “o arguido preventivamente preso com prisão preventiva expirada só deve ser restituído à liberdade se a sua libertação não poder gerar perigo para a paz social e a tranquilidade pública”, lê-se no pedido de habeas corpus.
Pedro Lussati foi acusado de ter cometido 11 crimes. Após julgamento, em Novembro de 2022, foi absolvido de sete dos crimes de que foi acusado e foi condenado por quatro crimes numa pena única de 14 anos de prisão. Após o primeiro recurso, a pena baixou para 12 anos. Faltam ainda dois níveis de recurso, no Tribunal Supremo e no Tribunal Constitucional, respectivamente.
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