Há cerca de dois meses, nos corredores do poder em Lisboa, constava que iria haver uma reunião muito sensível sobre Angola entre o Banco de Portugal, o Ministério Público, o Ministério das Finanças e autoridades europeias. O tema era o descontrolo total, de novo, dos fluxos financeiros provenientes de Angola.
As autoridades estavam muito preocupadas com uma renovada intensidade e descontrolo dos dinheiros provenientes de Angola. Parecia que tudo estava a voltar aos tempos de José Eduardo dos Santos.
Esta reunião nunca tornada foi pública e não se sabe o que resultou desse encontro. Contudo, sabe-se que, entretanto, surgiu o relatório demolidor sobre Angola do Grupo de Acção Financeira Internacional (GAFI), organismo intergovernamental informal, mas poderoso, que tem como objectivo desenvolver e promover políticas, nacionais e internacionais, de combate ao branqueamento de capitais. O relatório essencialmente reconhece que Angola aprovou uma série de legislação, mas que não há uma aplicação efectiva da mesma. Por exemplo, refere-se que, embora “Angola tenha identificado os seus riscos de branqueamento de capitais e as autoridades tenham introduzido medidas para fortalecer a maioria das necessidades legais e institucionais, o país não desenvolveu políticas e estratégias nacionais informadas sobre o risco para lidar com os riscos identificados” (p. 8). Ou ainda: “As autoridades têm uma baixa capacidade de recursos que as impede de prosseguirem eficazmente com as investigações aos processos de branqueamento de capitais de acordo com o perfil de risco do país” (p. 8). O tom é geralmente este. Há consciência dos perigos, há leis, mas a prática é quase nula.
Segundo a própria vice-procuradora-geral de Angola, Inocência Pinto, que apresentou publicamente o relatório, Angola está numa corrida contra o tempo para evitar regressar à “lista cinzenta” e perder o acesso a divisas. O país tem até Junho do próximo ano para mostrar que está a seguir as recomendações do Grupo de Acção Financeira Internacional.
Isto poderá ser trágico. O país pode ser tornado um pária financeiro e, nesse caso, qualquer investimento e promessa de desenvolvimento terminará.
Ligou-se pouco a isto, e ao alerta da vice-PGR, mas é das situações mais graves com que Angola se depara.
O pior de tudo é que parece que se está a voltar à casa de partida, isto é, a 2017. Aparentemente, todas as medidas anunciadas de combate ao branqueamento, toda a legislação entretanto aprovada, não passaram do papel e não diminuíram as tendências de médio prazo de branqueamento de capitais em Angola.
No mesmo sentido de descontrolo e falta de transparência vai uma recente notícia de um jornal económico angolano, que afirma, em relação às despesas públicas do governo angolano com a covid-19, estimadas em 400 milhões de dólares, que “o FMI afirma estar desapontado com a prestação de contas e lamenta que o governo ainda não tenha cumprido os compromissos que assumiu ao nível da transparência dos gastos públicos. Nada se sabe sobre as receitas com a pandemia”.
O que temos, aparentemente, são duas organizações internacionais fundamentais para as finanças angolanas, o FMI e o GAFI, com dúvidas sobre a real evolução da transparência, boa governação e combate ao branqueamento de capitais em Angola, passando, no mínimo, um atestado de mediocridade e incompetência à Procuradoria-Geral da República (PGR), ao Banco Nacional de Angola (BNA) e à Unidade de Informação Financeira de Angola.
A situação é bem mais grave e relevante do que muitas outras que têm estado a merecer atenção no debate político actual, e devia preocupar efectivamente o poder político, quer ao nível de governo, quer ao nível de oposição, pois, em pouco tempo, o país pode ser confrontado com um sufoco financeiro deliberado.
E não é uma questão de lei – leis já existem. É uma questão de prática, de acção.
Desde que começou o combate à corrupção, temos apoiado os fins, mas criticado os meios, pois a opção foi por utilizar instituições preexistentes, com o pessoal instalado e mantido na época da expansão da corrupção. A verdade é que é o pessoal quem faz e executa as políticas – e não os textos, directivas ou leis –, portanto, se o pessoal não quer fazer, mesmo que existam leis, não faz.
Mas não admira este abismo entre lei e prática, entre retórica e actos concretos. No fundo, estava-se, com excepções, a pedir aos cúmplices da corrupção para combaterem a corrupção. Não podia resultar, como não resultou.
E agora?
Agora, não há outra alternativa a não ser encarar a questão, o que implica criar, finalmente, as estruturas e os meios fora do sistema normal que permitam tratar dos assuntos de desvios de fundos, branqueamento, transparência e boa governação de forma autónoma e técnica, com foco e intensidade, sem olhar a redes clientelares, familiares ou tratamentos de favor. Caso contrário, andaremos sempre a voltar à “casa de partida”, como num jogo de crianças.
Maka Angola