Elite governante moçambicana investiu fundos públicos na África do Sul – investigação

Familiares e amigos do ex-Presidente Armando Guebuza e do atual chefe de Estado moçambicano usaram fundos públicos para financiar a compra de propriedades de luxo na África do Sul, indica-se numa investigação de uma ONG.

Na publicação intitulada “Para venda — Lavandaria imobiliária da África do Sul”, da autoria da Organização Não-Governamental (ONG) sul-africana Open Secrets, identifica-se cerca de 162 milhões de rands (8,4 milhões de euros) em casas compradas por indivíduos politicamente ligados, principalmente de Moçambique, República Democrática do Congo (RDC) e Guiné Equatorial, numa investigação baseada em documentos judiciais, registos de escrituras e fontes confidenciais.

No caso da elite governante moçambicana da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo, partido no poder desde 1975), os investimentos imobiliários na África do Sul ocorreram no âmbito das “dívidas ocultas”, o maior escândalo de corrupção pública da história pós-independência do país lusófono vizinho, segundo a investigação divulgada esta quinta-feira.

“A investigação da Open Secrets revelou que o filho do ex-presidente Filipe Nyusi, Jacinto Ferrão Filipe Nyusi, comprou uma casa de luxo no valor de 17,5 milhões de rands (912,772.00 euros) em Sandhurst, um subúrbio (…) de Joanesburgo”, lê-se no relatório a que a Lusa teve acesso.

A ONG sul-africana, que tem investigado a corrupção pública na África do Sul desde o anterior regime de ‘apartheid’, salientou que “Jacinto comprou a propriedade em julho de 2015, dois anos após a campanha política do seu pai ter aceitado subornos da Privinvest”, uma das empresas indiciadas no caso das dívidas ocultas de mais de 2 mil milhões de euros.

“A nossa investigação revelou também os nomes dos advogados que trabalharam no negócio que garantiu a primeira casa de Jacinto [Nyusi] num luxuoso subúrbio da Cidade do Cabo em 2014, e como esse mesmo escritório de advogados estaria envolvido na venda da casa de Jacinto quando um relatório independente revelou a auditoria dos ilícitos por detrás do escândalo das dívidas ocultas”, acrescentando que o imóvel custou 3,9 milhões de rands [203.405 euros] no subúrbio rico de Constantia, na Cidade do Cabo.

“A propriedade de Constantia foi posteriormente vendida, em março de 2018, por 4,5 milhões de rands [234.697 euros]”, frisou a Open Secrets, salientando que Jacinto Nyusi vendeu a propriedade “oito meses depois de a consultora financeira e de risco Kroll ter divulgado um relatório sobre o escândalo das dívidas ocultas” em Moçambique.

Todavia, na investigação refere-se que um ano após a compra da propriedade em Constantia, “Jacinto fez uma compra ainda mais avultada em Sandhurst, um dos subúrbios mais luxuosos e opulentos de Joanesburgo”.

“Situado em Sandton, o bairro está repleto de mansões escondidas atrás de imponentes muros e postos de segurança 24 horas por dia. Em julho de 2015, Jacinto comprou uma impressionante casa por 17,5 milhões de rands”, adiantou, acrescentando que o imóvel foi vendido em março de 2022, por apenas oito milhões de rands (417.249,3 euros).

Na altura, o antigo ministro das Finanças de Moçambique, Manuel Chang — considerado peça-chave do escândalo das dívidas ocultas -, enfrentava numa prisão de Joanesburgo a sua extradição para os Estados Unidos.

Segundo a organização sul-africana, a família Guebuza também investiu “fundos potencialmente ilícitos” em propriedades na África do Sul.

“Quando o Governo de Moçambique garantiu o empréstimo secreto em 2013, o Presidente Armando Guebuza era o homem responsável pelo Estado. O seu filho mais velho, Ndambi, foi condenado, em 2022, em Maputo, por aceitar 33 milhões de dólares em subornos relacionados com o escândalo. Ndambi comprou duas propriedades em Gauteng, na África do Sul, no total superior a 20 milhões de rands em 2013 — o mesmo ano em que a Privinvest começou a pagar subornos”, acrescenta-se.

As propriedades estão localizadas em Dainfern (9,3 milhões rands (485.023 euros)) e Kyalami Estate (10,8 milhões de rands (563.206,11 euros)), segundo a investigação sul-africana.

“Todavia, Ndambi não foi o único membro da família Guebuza a beneficiar do negócio. Os registos de propriedades mostram também que a filha do antigo Presidente, Valentina De Luz Guebuza, possuía duas propriedades em Dainfern, Gauteng, no valor de 15 milhões de rands cada (30 milhões de rands no total (1,6 milhões de euros).

“Ambas as propriedades foram compradas em 29 de maio de 2014 e parecem ser vizinhas uma da outra no condomínio de luxo. Valentina de Luz Guebuza morreu em 2016, alegadamente morta a tiro pelo marido”, referiu.

A investigação sul-africana, citando procuradores moçambicanos, indica também que o intermediário moçambicano Bruno Langa, que apresentou Armando Guebuza aos empresários envolvidos no escândalo das dívidas ocultas, investiu mais de 13 milhões de rands (677.887,95 euros) em imóveis nas províncias sul-africanas de Gauteng e Mpumalanga.

Na ótica da Open Secrets, na sequência das eleições gerais em 09 de outubro de 2024, que marcaram o fim da presidência de Nyusi, o chefe de Estado moçambicano “poderá ainda enfrentar pedidos de indemnização pelos ‘donativos’ que aceitou”.

Angola 24 Horas

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