Bento dos Santos “Kangamba”, figura controversa no cenário político e empresarial angolano, protagoniza mais uma cena digna de uma trama de reabilitação de imagem e tentar influenciar os menos visados.
Desta vez, surge como benfeitor de 500 vendedoras das zonas da Mabor e da Petrangol, no município de Cazenga, a quem ofereceu 50 milhões de kwanzas (cerca de 100 mil kwanzas por pessoa), como parte das celebrações do Dia do Herói Nacional, a 17 de Setembro.
Sob o pretexto de responsabilidade social, Kangamba declarou que esta doação visa fortalecer as condições económicas destas mulheres, comprometendo-se a continuar a promover iniciativas que melhorem a vida da população.
A acção, contudo, não pode ser dissociada do passado manchado de escândalos que assombra o nome de Bento Kangamba. Detido em 2020 enquanto tentava fugir para a Namíbia, o general reformado das Forças Armadas Angolanas enfrenta uma série de acusações graves, incluindo crimes de burla por defraudação.
Entre os seus bens arrestados pelo Tribunal Provincial de Luanda estão prédios e veículos de luxo, após a sua recusa em saldar uma dívida de 15 milhões de dólares .Além disso, o seu nome está associado a um esquema internacional de tráfico de mulheres, desmantelado pela polícia brasileira, que operava há mais de dez anos, traficando mulheres brasileiras para fins de exploração sexual em Angola, África do Sul, Portugal e Áustria.
Kangamba é, sem dúvida, uma figura de múltiplas facetas, mas o contraste entre a generosidade pública e os atos sombrios que marcam a sua trajetória levanta questões inevitáveis sobre as motivações por trás da sua “caridade”.
Quando um homem acusado de explorar sexualmente mais de 1.500 mulheres distribui dinheiro às vendedoras mais vulneráveis, é impossível não se questionar se o gesto é realmente altruísta ou simplesmente uma tentativa de limpar a sua imagem pública.
No seu discurso durante a entrega dos donativos, Kangamba apelou às comerciantes para apoiarem os programas do governo angolano e evitarem “falsas promessas políticas”.
Aparentemente, o homem que durante anos se viu envolvido em crimes que exploravam as promessas vazias de uma vida melhor para mulheres em condições vulneráveis, agora aconselha prudência e harmonia com as instituições governamentais. Este paradoxo não passa despercebido.
Kangamba tem-se tornado especialista na arte de reinventar a sua imagem, utilizando gestos simbólicos de caridade para obscurecer as manchas no seu registo criminal.A doação de 100 mil kwanzas para cada vendedora certamente trará algum alívio temporário àquelas que lutam pela subsistência, mas não podemos ignorar que se trata de uma gota no oceano, especialmente se comparada aos 45 milhões de dólares que o esquema de tráfico de mulheres movimentou.
A contradição entre a sua retórica filantrópica e o seu passado criminal é gritante. Bento dos Santos “Kangamba” não é apenas um empresário com problemas de dívidas, mas sim o protagonista de uma das operações de exploração mais chocantes das últimas décadas.
O esquema de tráfico de mulheres, descoberto pela polícia brasileira, não só vitimou centenas de mulheres, como também revelou uma rede bem organizada de exploração sexual que funcionava sob o comando de Kangamba e de Wellington Edward Santos de Souza, também conhecido como Latyno, no Brasil.
Este é o homem que agora surge como “salvador” das vendedoras de Cazenga, um bairro periférico de Luanda. A sua narrativa de filantropia parece mais uma manobra estratégica do que um gesto genuíno de solidariedade.
Em vez de enfrentar as consequências dos seus crimes passados, Kangamba parece empenhado em comprar a absolvição pública através de actos de caridade amplamente divulgados.É imperativo que, como sociedade, não nos deixemos cegar pela distribuição de dinheiro fácil. As vendedoras beneficiadas merecem, sem dúvida, qualquer ajuda que possam receber, mas tal apoio não deve servir de cortina de fumo para apagar o passado sombrio de Kangamba.
A justiça e a responsabilidade não podem ser subvertidas por doações pontuais, por mais necessárias que estas sejam.
O episódio de Bento dos Santos “Kangamba” é um exemplo claro de como figuras poderosas angolanas, envolvidas em práticas ilícitas e destrutivas, podem tentar reescrever a sua história com gestos superficiais de generosidade. Mas a sociedade deve permanecer vigilante.
A sua responsabilidade pelos crimes cometidos não pode ser varrida para debaixo do tapete por iniciativas de caridade que, no final das contas, não passam de tentativas de relações públicas.
Kangamba pode estar a distribuir kwanzas às vendedoras, mas a verdadeira justiça só será alcançada quando todas as vítimas do seu passado – tanto no Brasil quanto em Angola – tiverem as suas vozes ouvidas e os crimes expostos.
Até lá, o seu gesto filantrópico é apenas mais um capítulo numa longa história de manipulação e engano.
Imparcial Press