Angolana acusada de burlar instituição que lhe emprestou dinheiro

Quem é o credor misterioso que desafia a dívida de Angola?
Audacioso da sua parte processar um país com uma facão na bandeira.

Por Joseph Cotterill – Ontem

Você é um credor, parte de um grupo de credores, que, em algum momento, concedeu um empréstimo sindicalizado de propósito misterioso e valor desconhecido para a nação africana rica em petróleo, mas atualmente muito endividada, Angola.

Mais tarde, você e os outros credores acabaram sujeitos a sanções internacionais — quem diria! — e o empréstimo desmoronou de alguma forma.

Recentemente, você acusou Angola de um default soberano relacionado a esse fiasco, em uma arbitragem apresentada… em algum lugar, mas que não aparece em registros públicos no Banco Mundial ou na ONU.

Quem é você?

Sabemos que você existe, porque Angola recentemente usou um prospecto para a emissão de quase US$ 2 bilhões em títulos para esconder o infeliz detalhe de que alguém acusou o país de inadimplência.

Outros Casos de Inadimplência

Angola é parte de uma arbitragem relacionada a uma linha de crédito sindicalizada firmada com certos credores. A linha foi executada conforme os termos acordados até que cada um dos credores ficou sujeito a sanções internacionais, cujo efeito foi restringir a capacidade das partes de executar o contrato. Recentemente, um credor iniciou um processo arbitral alegando que houve um evento de inadimplência e que ele tem direito ao reembolso integral de sua parte no empréstimo. Não há evidências de que esse credor tenha o consentimento da maioria exigida (66 2/3%), portanto, qualquer ação tomada por ele de forma isolada contraria os termos do contrato. Assim, Angola nega que o credor tenha o direito de acelerar o reembolso do empréstimo ou prosseguir com a reclamação e pretende se defender na arbitragem.

Esse pode ser o primeiro caso de sanções levando a um default soberano por um terceiro país não sancionado. Isso é relevante. Mesmo que Angola negue que esse empréstimo possa ser acelerado, existe o risco de cross-acceleration (aceleração cruzada) em outras dívidas do país, e investidores, agências de classificação de risco e outros deveriam conhecer os detalhes.

Também é importante porque Angola está quebrada. Mais de um quarto das receitas do estado foi destinado ao serviço da dívida no ano passado, segundo estimativas da Fitch.

Angola está tão quebrada que esses títulos foram, na verdade, emitidos como garantia para um empréstimo de US$ 1 bilhão do JPMorgan. Ao transferir os títulos, que foram emitidos com um rendimento de cerca de 11%, Angola não precisará contá-los como parte de sua dívida externa. A última venda significativa de eurobônus pelo país foi em 2022.

Isso torna ainda mais lamentável que a divulgação acima seja uma paródia do que deveria ser a transparência em dívidas. Sabemos apenas o suficiente para indicar que há um iceberg de irregularidades na dívida soberana logo abaixo da superfície. Isso se destaca ainda mais porque o prospecto lista e nomeia muitos dos credores de Angola, desde bancos chineses até instituições ocidentais.

Sabemos que Angola tem um credor dissidente. Mas não sabemos seu nome, quanto ele exige ou onde ele iniciou a ação legal. Não sabemos por que o credor foi sancionado (nem quem aplicou as sanções), nem se ele é, por exemplo, um credor oficial com respaldo estatal.

Também não sabemos se poderia ser o administrador ou liquidante de uma entidade sancionada tentando recuperar ativos.

Nem sequer fica claro se Angola parou de pagar o empréstimo atingido pelas sanções — há apenas uma descrição vaga sobre restrições à “capacidade das partes de executar o contrato conforme os termos” — embora pareça provável que isso tenha desencadeado a reclamação.

Entramos em contato com Vera Daves, ministra das Finanças de Angola, para comentar, mas ela não respondeu.

Temos algumas suposições. Não há muitos países que sejam alvo de tantas sanções a ponto de grupos inteiros de credores serem afetados e que também tenham laços de investimento com Angola.

Mas está sendo muito difícil confirmar algo. E, considerando que isso é um buraco negro de informações em um prospecto para títulos listados no mercado de Londres, isso parece longe do ideal.

Nomes importantes do mercado financeiro estão associados a este prospecto de títulos de Angola. O Deutsche Bank foi o organizador e, com o Citigroup, um dos negociadores. Os títulos, como mencionado, servirão como garantia para um empréstimo do JPMorgan. Entendemos que a Norton Rose Fulbright deu assessoria jurídica a Angola na emissão dos títulos, mas a firma recusou-se a comentar oficialmente.

Há quase uma década, Moçambique revelou as dívidas ocultas no coração do escândalo dos tuna bonds de US$ 2 bilhões do país. Isso gerou debates sobre como as instituições financeiras globais aceitam com facilidade a falta de transparência, a opacidade e, em última análise, os riscos de corrupção em uma das nações mais pobres do mundo.

Não aprendemos.

Financial Times

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