AGT em xeque: da crise de corrupção à reconstrução da confiança pública

A Administração Geral Tributária (AGT) é um dos pilares fundamentais do funcionamento do Estado angolano, sendo responsável pela arrecadação de receitas e pela fiscalização tributária. No entanto, recentes escândalos de corrupção abalaram profundamente a sua reputação, gerando uma crise de confiança entre os contribuintes e a sociedade em geral. A restauração da credibilidade institucional passa pela adopção de uma estratégia robusta de reconstrução reputacional, baseada na transparência, ética e eficiência.

A reputação de uma organização pública é um dos seus activos mais valiosos, pois influencia directamente a percepção e o comportamento dos cidadãos. Como afirmam Fombrun e Van Riel (2004), “a reputação corporativa é um reflexo colectivo das percepções de múltiplos stakeholders sobre a credibilidade, fiabilidade, responsabilidade e atractividade de uma organização ao longo do tempo”. No contexto da administração pública, a perda dessa credibilidade pode comprometer a arrecadação fiscal, reduzir a cooperação dos cidadãos e gerar um ambiente propício à informalidade e à evasão tributária.

Este artigo analisa os principais desafios da AGT na reconstrução da sua imagem e apresenta estratégias eficazes para restabelecer a confiança do contribuinte, com base em boas práticas internacionais e literatura especializada em gestão de crises reputacionais.

1. Reconhecer a Crise e Assumir Responsabilidades

Uma das primeiras acções que devem ser adoptadas por uma instituição em crise é reconhecer o problema de forma clara e objectiva. Como destaca Coombs (2015), “o silêncio ou a negação excessiva diante de uma crise tende a agravar ainda mais a situação, pois reforça a percepção de que a organização não está disposta a assumir responsabilidades”.

A AGT deve emitir um comunicado oficial reconhecendo os erros do passado e explicando as acções concretas que estão a ser tomadas para resolver o problema. Isso pode ser feito por meio de:

Colectivas de imprensa para permitir que jornalistas e especialistas questionem directamente os responsáveis pela instituição;

Publicação de relatórios institucionais, detalhando as irregularidades identificadas e os planos de correcção;

Diálogo com a sociedade civil e os contribuintes, demonstrar abertura para críticas e sugestões.

Um estudo de Benoit (1997) sobre estratégias de reparação da imagem destaca que uma abordagem proactiva, que inclua a aceitação da culpa e o compromisso com mudanças, tende a reduzir os impactos negativos de uma crise reputacional no longo prazo.

2. Transparência e Prestação de Contas

A transparência é a base para a reconstrução da confiança em qualquer instituição pública. Transparency International (2021) ressalta que “governos e órgãos públicos que adoptam práticas de transparência activa conseguem reduzir significativamente a percepção de corrupção e aumentar a legitimidade perante a sociedade”.

No caso da AGT, algumas medidas urgentes incluem:

Publicação periódica de relatórios financeiros e auditorias externas para permitir que os contribuintes acompanhem como os impostos arrecadados estão a ser geridos;

Criação de um portal de transparência fiscal, onde qualquer cidadão possa aceder a informações detalhadas sobre a arrecadação e aplicação dos recursos;

Fortalecimento dos mecanismos de denúncia e protecção ao denunciante, garantindo que casos de corrupção sejam identificados e punidos com rigor.

Um modelo de sucesso nesse sentido pode ser observado no Serviço de Administração Tributária do Reino Unido (HMRC), que implementou auditorias públicas regulares e consultas abertas com os contribuintes para reforçar a sua credibilidade (Bovens, 2007).

3. Reformulação de Políticas e Processos Internos

Além de tornar as suas operações mais transparentes, a AGT deve adoptar reformas estruturais que garantam uma gestão mais eficiente e livre de corrupção. Segundo Kaptein (2015), “a integridade organizacional depende de um sistema robusto de governação interna, que inclua formações éticas, auditorias frequentes e punição exemplar para práticas ilícitas”.

Algumas acções estratégicas incluem:

Revisão do código de conduta dos funcionários para estabelecer normas mais rígidas de compliance e governação;

Automatização dos processos tributários para reduzir a intervenção humana em processos críticos e minimizar oportunidades de corrupção;

Criação de um comité independente de integridade, formado por especialistas em auditoria e ética pública, responsável por monitorizar a conduta da instituição.

A digitalização dos serviços fiscais já demonstrou impactos positivos em diversos países, como a Estónia e Singapura, onde plataformas online reduziram significativamente a incidência de fraudes e corrupção nos serviços tributários (OECD, 2020).

4. Reaproximação com o Contribuinte

A confiança do contribuinte é essencial para garantir uma administração tributária eficaz. Como enfatizam Gillespie & Dietz (2009), “a confiança é reconstruída quando há demonstrações consistentes de competência, integridade e benevolência por parte da organização”.

A AGT pode restabelecer a sua relação com os cidadãos por meio de:

Campanhas de educação fiscal para explicar de forma didáctica a importância dos impostos e como estes impactam o desenvolvimento do país;

Atendimento ao contribuinte mais eficiente e humanizado para reduzir burocracias e tornar os serviços mais acessíveis;

Fóruns de diálogo e consultas públicas para permitir que a sociedade participe activamente da formulação de políticas fiscais.

5. Reforço Institucional e Cooperação Internacional

Por fim, a AGT deve buscar apoio de instituições nacionais e internacionais para fortalecer as suas práticas de governação. Parcerias com órgãos como a Procuradoria-Geral da República (PGR), o Tribunal de Contas e o Ministério das Finanças podem garantir maior eficácia na fiscalização interna.

Além disso, a colaboração com organizações internacionais, como o Fundo Monetário Internacional (FMI) e a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico (OCDE), pode facilitar a implementação de melhores práticas de transparência e eficiência tributária (Fukuyama, 2013).

Finalmente, a reconstrução da reputação da AGT é um desafio complexo, mas essencial para garantir a legitimidade do sistema tributário angolano. Sem a confiança dos contribuintes, a arrecadação fiscal é comprometida, afectando directamente o funcionamento do Estado e a execução de políticas públicas.

As medidas propostas neste artigo — reconhecimento da crise, transparência, reforma de processos internos, reaproximação com os cidadãos e reforço institucional — são fundamentais para restaurar a credibilidade da AGT e fortalecer a governação tributária em Angola. Como bem observa Fombrun (2005), “a reputação é construída ao longo do tempo, mas pode ser destruída em minutos; a sua reconstrução requer um compromisso contínuo com valores e práticas responsáveis”.

A AGT tem agora a oportunidade de transformar a crise num ponto de viragem para demonstrar que um sistema tributário ético e eficiente é possível e benéfico para toda a sociedade. A confiança pode ser restaurada, desde que acompanhada de acções concretas e compromisso real com a mudança.

Correio da Kianda
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