Ligações perigosas. As lições do caso Galp e como são geridas as relações amorosas das chefias dentro das empresas

Relações amorosas nas empresas são mais problemáticas quando envolvem chefias, mas caso do CEO da Galp poderia ter sido resolvido se tivesse sido reportado. Divulgação tornou inevitável a demissão.

O desfecho era esperado. Poucos dias depois de ter sido revelada a relação pessoal do CEO da Galp com uma diretora da empresa, e antes de serem conhecidas as conclusões da comissão de ética, Filipe Silva apresentou a demissão. Para os especialistas ouvidos pelo Observador, o caso só poderia ter terminado de outra forma se não tivesse sido tornado público.

O eventual conflito de interesses resultante da relação poderia ter sido resolvido dentro da empresa se o relacionamento tivesse sido comunicado à comissão de ética, considera o presidente do Instituto Português de Corporate Governance (IPCG). Salvaguardando que a opinião tem por base a informação que é pública, e incompleta, João Moreira Rato diz ao Observador que a não comunicação da relação íntima por parte, em particular, do CEO da Galp, já constitui uma quebra das regras gerais de ética aplicáveis nas empresas.

Desse ponto de vista, adianta, o processo seguido pela Galp decorreu como devia, com especial importância para a proteção do denunciante. Daí que as lições deste caso “são mais para os gestores do que para as empresas“. O presidente do IPCG, um organismo que promove o bom governo das empresas e do qual a Galp é associada, reconhece que a fuga de informação sobre a denúncia e antes da conclusão da investigação não deveria ter acontecido. Estes “assuntos devem ser tratados dentro da empresa”, aponta. Mas considera também que esta não deve ser a questão central na discussão.

Mas, a “partir do momento em que houve divulgação pública, seria difícil outro desfecho, até para o próprio”, reconhece Helena Gonçalves. A consultora de temas de ética e sustentabilidade empresarial e professora da Católica Porto Business School aponta o risco reputacional para a empresa e para o próprio gestor caso se mantivesse a dúvida pública quanto à sua conduta num tema tão sensível. E acredita que nos próximos meses, algumas empresas, designadamente as cotadas, vão rever e atualizar os seus códigos de conduta e ética para acrescentar um parágrafo que permita clarificar casos desta natureza.

“É o que acontece quando há um escândalo. Gera a preocupação de evitar que aconteça em outras organizações e esse é um dos pontos positivos dos escândalos”, defende a professora e investigadora em ética organizacional.

A generalidade destas regras e recomendações envolvem o reporte de situações de potencial conflito às chefias e aos comités de ética. E a resposta passa tipicamente pelo afastamento de uma das pessoas do cargo, das responsabilidades ou da áreas onde trabalham os dois envolvidos. Mas o que fazer quando um dos envolvidos é a pessoa mais influente dentro da empresa?

Índice

Chefia deve dar exemplo e quando é um CEO o impacto moral é maior

As diferenças face à BP e o que pode ainda acontecer ao ex-CEO da Galp

Fugas de informação sobre denúncias são comuns quando há dúvidas sobre a resposta da empresa

Códigos da NOS e EDP visam relações familiares, “equiparadas” e amizades

As dúvidas sobre quando se deve comunicar e a resistência de quem receia ser prejudicado

Da denúncia anónima que qualquer pessoa pode fazer até à conclusão

A viagem de trabalho que envolveu encontro amoroso e o salário pago à mulher para apoio emocional

Essa foi a consequência na BP, outra petrolífera que há pouco mais de um ano se viu confrontada com um escândalo relacionado com relações amorosas que levou à demissão do então presidente executivo — não por ter uma relação com uma subordinada, mas por ter omitido a existência de várias relações ao comité que investigou as denúncias. Agora, todos os dirigentes do grupo petrolífero com sede no Reino Unido são obrigados a reportar qualquer relação íntima que tenham tido com colegas nos últimos três anos.

Para a comissão de trabalhadores da Petrogal, uma das empresas do grupo Galp, a demissão do presidente executivo terá sido provocada pelo que é descrito como um “golpe de teatro” montando para surtir o efeito que veio a ter.

A investigação da comissão de ética da Galp à denúncia anónima sobre a existência de uma relação amorosa entre o presidente executivo da empresa e uma diretora foi noticiada no sábado pelo jornal Eco e poderia demorar semanas ou até meses até produzir conclusões. A demissão de Filipe Silva, conhecida apenas quatro dias após a divulgação do caso, tira pressão pública sobre a empresa e sobre a necessidade de resolver o assunto rapidamente, mas não põe fim à investigação da comissão de ética da Galp.

O ministro do Ambiente e da Ação Climática, Duarte Cordeiro (E) troca impressões com Filipe Silva, CEO da Galp, na inauguração do Parque Solar de Alcoutim, 29 de setembro de 2023. Primeiro Parque Solar da Galp em Portugal e representa o maior investimento da empresa em energia solar no país.,LUÍS FORRA/LUSA

▲ Filipe Silva (aqui a conversar com o ex-ministro do Ambiente Duarte Cordeiro) saiu do cargo com efeitos imediatos

LUÍS FORRA/LUSA

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