Quanto custa um Biden?

Podemos afirmá-lo com grau relativo de certeza. É improvável que algum dia se chegue ao custo real do total da operação diplomática que tenta/tentou trazer o Presidente dos Estados Unidos a Angola. Até porque, por razões de simples honestidade e de verificação dos factos, é preciso separar as águas.

Nesta operação, não há necessariamente uma coincidência total de interesses da parte angolana. Uma coisa é o Presidente, outra coisa é o país. Por muito que se tenha sobrestimado a preponderância dos interesses econômicos, o Presidente angolano tem a sua agenda particular, e as razões são óbvias.

João Lourenço passa pelo momento mais delicado da sua travessia pela chefia do Estado. Com a oposição útil, a relação é de cortar à faca. Estudos independentes recentes dizem, com frieza, que a maioria esmagadora dos angolanos não o suporta, nem que se cubra com pele de cordeiro. Dentro do seu MPLA, a cada dia que passa, o ambiente supera-se no caos. Os velhos não o querem; os dirigentes não lhe dão sinais sólidos de lealdade, de tal sorte que se viu obrigado a atacá-los em plena reunião com as ‘bases’, e os jovens digladiam-se entre a indefinição, a ambição e o desespero. O Governo e o resto do Estado também não fazem por facilitar-lhe a vida. Da corrupção, incluindo na justiça, ao contrabando de combustíveis; da candonga de armas à fúfia do censo, não há ponta que se pegue na governação.

Joe Biden seria o tal anestésico importado que serviria para acalmar temporariamente a dor incessante. E o tempo de acalma é o tal que seria aproveitado para a reafirmação da liderança interna e para a oxigenação dos alegados sonhos insondáveis de prevaricação da Constituição e de todas as regras, incluindo as do MPLA.

É isso o que está parcialmente em causa. A confirmar-se em termos definitivos a ‘desfeita’ de Biden, João Lourenço vai certamente perder-se em contas de subtração, ao contrário de todos os cálculos de somar e de multiplicar que teria na manga. Apenas ele e só ele saberá, por isso, dizer-nos o que perderá totalmente com uma eventual anulação irrecorrível da viagem do Presidente dos Estados Unidos. Naturalmente, não o fará.

Para o país, as contas são necessariamente outras, ainda que também seja impossível juntar todos os custos. Pelos relatórios da Squire Patton Boggs chega-se a alguns números. A lobista norte-americana, contratada pelo Governo angolano em 2019 para o conjunto da operação Biden, divulga números. Não interessa que a maior parte do dinheiro pago por Angola pare nas mãos da Erme Capital. Uma offshore registada em nome do português Pedro Nuno Gomes Pinto Ferreira, que é filho de Carlos Pinto Ferreira, que é citado como próximo a Manuel Vicente. Isto não importa. O que interessa é que a Squire Patton Boggs divulga números. No primeiro semestre de 2020, por exemplo, Angola pagou 1,04 milhões de dólares. Em igual período do ano seguinte, foram 1,444 milhões de dólares. No mesmo espaço e tempo de 2022, o total pago foi de 2,085 milhões de dólares. São exemplos que permitem formar-se uma ideia dos dólares que voaram apenas com estes ‘fornecedores’.

Mas o custo da operação Biden não se esgota na Squire Patton Boggs e na Erme Capital. De Angola, com o próprio Presidente João Lourenço à testa, partiram delegações de todo o tamanho rumo a Washington, incluindo uma em que o Presidente angolano acabou recebido pela ‘porta dos fundos’. Contas feitas, financeiramente não se chega a todos os custos diretos e indiretos de toda a operação. Não se sabe quanto custa um Biden.

Dito isto, para o caso do país, os custos mais importantes até são outros. São o custo de oportunidade. Que dividendos caberiam a Angola com uma visita de um Presidente norte-americano, ainda que em fim de carreira? O que Angola perde, de facto, se Biden não vier? Publicidade mundial e oportunidade de ganhos reputacionais, que poderiam conduzir à atração de algum ‘investimento colateral’? O interesse central, o Corredor do Lobito, este mantém-se para os Estados Unidos. Com ou sem Biden.

Valor Económico

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