Mais uma vez, milhões de dólares são canalizados para a realização de uma obra a partir do zero, quando a infra-estrutura carecia apenas de manutenção. Aparentemente os especialistas não foram tidos nem achados para dar o parecer técnico. Bastou o Presidente da República, durante uma visita ao Novo Aeroporto, via-férrea, mandar erguer uma nova vedação, sem os auxiliares ou técnicos retroquinem. Mais uma vez, prevaleceu a ideia cantada pelos irmãos Almeida: “O chefe é quem sabe, só ele é que manda.”
São 400 milhões de dólares, perto do valor que os chineses se negaram a dar para reanimar as obras da Refinaria do Lobito, ‘torrados’ na construção do extenso muro. A execução é do consórcio formado pelas agora todas-poderosas Omatapalo, Casais, Afriovias e a Dar, as construtoras que silenciosamente sorriem com graciosos e milionários contratos.
A vedação já com uma execução de 10%, numa extensão de 51 quilómetros, é um dos claros sinais de ausência de sincronização no Governo, se repararmos no apelo insistente das Finanças e economistas sobre a qualidade da despesa pública.
É indubitavelmente, por outro lado, a prova de que, em época de ‘vacas magras’, a racionalização é ignorada para se deixar alegres os bolsos dos amigos construtores.
Ora vejamos, a antiga vedação (formada por muro de uns dois metros de altura e grelha de três metros) carecia apenas de manutenção em alguns pontos. A vandalização ocorreu, particularmente, nas zonas em que não foram colocadas passagens de nível e a população foi obrigada a derrubar a vedação, como poderá outra vez ocorrer devido ao fechamento dos acessos. Portanto, bastava a reparação dos pontos da vedação e evitavam-se gastos avultados.
Numa altura em que tudo vai de mal a pior, escolas sem condições higiênicas (nas casas de banho), falta de carteiras, sem esquecer os hospitais com escassez de materiais essenciais e medicamentos, optar pela manutenção seria mais econômico para os bolsos dos contribuintes apertados cada vez mais pela alta de preços. Portanto, além da oportunidade de engordar certos bolsos, só um outro fator poderá ter justificado para a construção do alto muro de betão, a vergonha da pobreza.
O acesso por via-férrea ao novo aeroporto dá uma vista de completa pobreza, conforme se ainda pode vislumbrar em perímetros onde as grades não deram lugar aos altos muros. É, certamente, um dos fatores que terá levado a tal decisão. Desta forma, quem visita o país não terá uma vista (durante a viagem de comboio) privilegiada de desfrutar os bairros desordenados e enferrujados sem o básico. Ou ainda, o comboio não será apedrejado, como acontece nas imediações do Cazenga, por crianças que não têm a felicidade de sentar numa sala de aula. Pois, o pai desempregado e a mãe zungueira não têm possibilidade de pagar uma escola privada. É separar a linha da pobreza, a semelhança do muro que separava os pobres dos ricos no Peru. Não é de estranhar que o Ministério dos Transportes lhe chama de “muro de vedação para segregação da linha do caminho de ferro de Luanda.” Em resumo, é o muro da vergonha que engorda os amigos.
Valor Económico