As autoridades chinesas mostraram a intenção de devolver dinheiro e outros ativos à Sonangol, por exemplo, uma participação de 50% no Hotel Intercontinental, em Bali, e um prédio em Wall Street. Está tudo na ata de uma reunião feita em maio de 2023.
Onde param os bens que a China Sonangol International Limited (CSIL) concordou em devolver à Sonangol, entre eles uma posição de 50% no Hotel Intercontinental, em Bali, Indonésia, e 50% das ações que a PSTL detinha no edifício Sampoerna Strategic Square, localizado no distrito financeiro de Jacarta, capital daquele país.
O paradeiro destas participações é desconhecido. Não foi reportado pela Sonangol e não faz parte da lista de bens do Serviço Nacional de Recuperação de Ativos (Senra), organismo criado pela Procuradoria-Geral da República de Angola (PGR) com a missão de “proceder à localização, à identificação e à apreensão dos bens, ativos financeiros e não financeiros ou produtos relacionados com o crime, quer esses bens estejam em Angola quer estejam no exterior do país”.
A devolução destes bens, e outros (entre os quais valores monetários), à Sonangol foi alvo de um acordo estabelecido entre os acionistas da CSIL realizado nos dias 16 e 17 de maio de 2023 no Hotel Ritz-Carlton, em Pequim, na China. Este entendimento foi plasmado numa “declaração de acionistas” na qual consta a assinatura de Eduarda Neto, procuradora-geral adjunta de Angola, resultando do reconhecimento, por parte dos chineses, das perdas sofridas pela Sonangol no âmbito da CISL.
A CISL é detida a 30% pela Sonangol e a 70% pela New Bright International (NBI), representada pela cidadã chinesa Veronica Yuen Kwan Fung. Por sua vez, 30% da NBI seriam controlados pela senhora Lo Fong Hung, a qual se apresentou nesta reunião como representante das autoridades chinesas.
Nessa declaração, além dos bens referidos, é também indicado que a CSIL iria ainda transferir para a Sonangol uma verba de 55 milhões de dólares, 37 milhões de dólares resultantes da venda de três aviões, um A318 e dois A319, quatro milhões de dólares provenientes da alienação de um avião Legacy 600 e o 23 Building em Wall Street, Nova Iorque, avaliado em 120 milhões de dólares. Este edifício de quatro andares é conhecido pela designação de “JPMorgan Building”.
Por fim, o documento previa ainda a entrega à Sonangol de 75% das ações detidas pela CSIL, através da CSIL Trading e da CS Energy no Banyu Urip Oil Project, na Indonésia. Nessa reunião, no Hotel Ritz-Carlton, em Pequim, assume particular destaque a figura identificada como Lo Fong Hung, que liderou a equipa negocial chinesa.
Essa reunião permite desde logo perceber que embora estejam em causa relações empresariais, tudo passa pelo crivo do Governo chinês. Aliás, Lo Fong Hung começa logo por garantir aos participantes que lhe foi confiada pelas autoridades chinesas a missão de “resolver as questões pendentes entre as empresas”, mitigar as “perdas sofridas” pela Sonangol e “limpar na totalidade os problemas acumulados”.
Os documentos, a que o Negócios teve acesso, são uma peça importante para perceber as relações entre Angola e China e adensa o mistério sobre o diferente tratamento judicial que tem sido dado às matérias relativas ao China International Fund (CIF) e ao CISL. No caso do CIF, ficou a saber-se definitivamente, a 5 de fevereiro, que os generais Manuel Hélder Vieira Dias (“Kopelipa”), antigo chefe da Casa Civil de José Eduardo dos Santos, e Leopoldino Fragoso do Nascimento (“Dino”) e mais cinco arguidos, incluindo três empresas, vão ser julgados pelos crimes de tráfico de influências e branqueamento de capitais.
Quanto ao CISL e a eventuais responsabilidades do antigo presidente da Sonangol e ex-vice-presidente de Angola, Manuel Vicente, a PGR diz que há um processo-crime em fase de instrução preparatória para decidir se avança com uma acusação ou decide pelo seu arquivamento. Em Pequim, a procuradora-geral adjunta, Eduarda Neto, já dava nota de que Manuel Vicente tinha extravasado as suas competências na gestão da petrolífera angolana.
“A carta de renúncia [à reclamação de ativos] assinada por Manuel Vicente não é reconhecida pelo Governo angolano e é prova de um potencial ato criminal”, garantiu Eduarda Neto a Lo Fong Hung. O encontro terminou com o reconhecimento de que a Sonangol tinha um crédito de 964 milhões de dólares junto da CISL por fornecimento de petróleo e iria ser ressarcida por isso.
A minuta de entendimento estabelece que “Lo Fong Hung declara que, sob reserva de aconselhamento jurídico, não se opõe, em princípio, à transferência dos bens e valores acima identificados, sem litígios nem discriminações, desde que I) a Sinopec e Veronica Yuen Kwan não se oponham à referida transferência; II) a Procuradoria-Geral da República e a Sonangol determinem a resolução de quaisquer ações cíveis e criminais existentes ou potenciais relacionadas com a Sra. Lo, desde que esta coopere na transferência com êxito dos bens acima mencionados para a Sonangol; III) se envidem todos os esforços para organizar uma reunião tripartida com Veronica Yuen Kwan e a Sonangol para resolver todos os litígios entre acionistas; e IV) a Sonangol, na qualidade de acionista, ajuda a resolver os litígios entre acionistas”.
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