Chuvas em várias regiões da província, há mais de uma semana, reacendem críticas por falta de desassoreamento num rio com histórico de tragédias e pede-se plano de emergência face a queixas de fome.
Centenas de famílias sitiadas há uma semana devido a cheias na comuna do Dombe Grande, na província angolana de Benguela, estão em situação de penúria alimentar, consumada a perda de vários hectares com banana, milho, repolho, tomate e outros produtos essenciais, indicam relatos obtidos pela Voz da América.
São muitos os apelos para uma intervenção do Governo naquela comuna adstrita ao município da Baía Farta, um ponto que abastece o país, quando surgem observações críticas por falta de desassoreamento do rio Coporolo, a fonte de toda a calamidade.
Acesso a fazendas agrícolas só mesmo através de canoas, o meio usado para o transporte de famílias isoladas, numa região que, conforme a descrição de líderes comunitários, contabiliza cerca de 150 moradias destruídas e acima de 800 hectares inundados.
Existem mais de 21 mil habitantes sitiados em várias povoações da comuna, sendo que muitos procuram refúgio em montanhas.
Em declarações à Voz da América, o produtor Albino Fernandes, líder de uma cooperativa agrícola que perdeu 100 hectares de cebola, correspondentes a 200 milhões de kwanzas (cerca de 239 mil dólares), resume o quadro vigente.
“O investimento perdido ronda os 2 milhões de kwanzas por hectare, é muito dinheiro mesmo, e há também, como se não bastasse, as casas a irem embora. Um bairro completo está estragar sem ninguém falar nada, o que está em risco é o Dombe”, avisa Fernandes, ao sustentar que “talvez o Governo central não veja a sua importância mas é o braço forte do país em termos agrários, acode a capital do país”.
Há quase 20 anos foi lançado o programa de regularização dos rios Cavaco, Coporolo e Catumbela, orçado em mais de 150 milhões de dólares norte-americanos, numa iniciativa do Governo central.
Albino Fernandes refere que a situação atual do Dombe Grande, comuna que terá uma fábrica de concentrado de tomate daqui a quatro meses, demonstra que não houve a intervenção que deveria ter promovido a segurança alimentar.
“O problema é que desde o colono que não se faz desassoreamento, não me lembro. Se falarmos em 15 anos … quer dizer que já houve, isso foi no tempo da açucareira, até a uma certa área”, indica.
Aquele produtor acrescenta que “o programa da Odebrecht tentou fazer alguma coisa, mas … faltou abrir diques de proteção e outras coisas”.
Vários líderes comunitários, em pronunciamentos feitos à Rádio Benguela, falaram do uso de canoas, da fome e da produção perdida, temendo o pior, já que o regresso ao campo poderá ocorrer só no próximo ano.
“No Chenje [povoação] estavam 53 elementos, ficaram dois dias, só hoje conseguimos tirar aquele povo mas há mais gente, só com canoas. Toda comida foi, nada se aproveita, deixamos de ver isso em 87”, diz o soba Canhanha Pedro, enquanto os líderes Abel Munhangusse e Paulo Tchiokola sustentam que a fome já começou, vai haver mais fome ainda.
O soba Mateus Jamba, à espera de ajuda, acrescenta que “desta vez a chuva trouxe uma miséria que ninguém entende, não sei como fazer, até hoje a água continua”.
A Voz da América esteve na sede do Governo Provincial de Benguela para um contato com o vice-governador para a área Técnica e de Infraestruturas, Adilson Gonçalves, de quem pretendia saber sobre um possível plano de emergência, mas sem sucesso.
O Gabinete de Apoio informou que o governante não se encontrava na província de Benguela.
Nem as ligações tiveram o efeito esperado.
Este cenário coincide com debates sobre ofuturo da Reserva Estratégica Alimentar (REA), após a alteração do modelo adotada pela equipa económica do Governo, havendo correntes que defendem a pertinência deste instrumento em situações como esta.